Caros Lisboetas,
Maio despediu-se com passos mais soltos e dias mais leves. E agora chega junho, um mês que muda o ritmo da cidade como nenhum outro. Já não se trata só de andar devagar. Agora, as noites esticam-se, as varandas enchem-se de manjericos e há cheiro a sardinha no ar. Há música em becos onde antes só havia silêncio. Há mesas nas ruas, conversas até tarde e miúdos a correr por entre fitas coloridas como se estivessem num mundo feito à medida deles.
Estes dias lembram-me daquilo que a cidade tem de mais bonito: a maneira como se transforma sem nunca perder o seu jeito próprio. A cada esquina, há um gesto de vizinhança, uma gargalhada partilhada, uma música que se sobrepõe ao burburinho — e, no coração da Praça da Figueira, a Pastelaria Suíça continua firme, a servir cafés e bolos como se não houvesse agitação nenhuma lá fora.
Nestes dias mais longos, vejo mais crianças por aqui. Vêm com os pais ou com os avós, de mão dada ou aos saltos, pedem um sumo ou espreitam os bolos com olhos muito curiosos. Há qualquer coisa de especial em vê-las ali — no meio da festa, mas ainda a descobrir o que tudo aquilo significa. E é talvez nessa descoberta que me lembro de outros tempos.
Houve dias em que a Baixa estava cheia de engraxadores como eu — cada um com o seu banquinho, o pano ao ombro e o “vai graxa?” sempre pronto. Ao domingo, os senhores vestiam o fato e poliam os sapatos como se fossem ouro. Era um ritual, quase uma cerimónia. Hoje somos menos, é verdade, mas continuo por aqui. E gosto de pensar que, no meio de tanta mudança, ainda há quem valorize este ofício antigo — como se, num gesto simples, se guardasse um pedaço da cidade de outros tempos.
Eu, do meu lado, continuo a engraxar sapatos. Mas é impossível não sorrir com o movimento da cidade. Junho é isso: Lisboa a lembrar-nos que ainda sabe rir, sabe dançar, sabe parar um bocadinho para viver — e eu, cá, deste lado, continuo a ver tudo a passar com o mesmo gosto de sempre.